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sábado, 11 de março de 2017

Não acredito em deus

Não acredito em deus. Ou no que alguns chamam de "força maior". Quero explicar. Acredito que o que existe é o que há nesta terra, e nos outros planetas, o que o homem e a mulher já desvendaram, no acúmulo milenar da compreensão e apreensão do mundo. Acredito também em tudo o que ainda nosso tempo não nos permitiu entender, das distantes galáxias e sabe-se lá o que há além, aos incompreensíveis que moram nas nossas células, átomos, e que língua falam pra criar em nós a felicidade e a tristeza e a solidão, e também no profundo escuro chão dos oceanos. Acredito não só na dita ciência, mas também na história, no passado, o que os nossos já fizeram e disseram, no seu legado, quem já viu o mundo antes de mim, deixou e recebeu dele um tanto, e que agora já morreu e cuja velha carne se confunde com a matéria de outras coisas ou bichos ou gentes. Não acredito em alma. Sou e somos todos de carne. Porque é a carne que sente dor, que arrepia, que pede comida quando temos fome, que chora lágrimas salgadas boas de lamber, que cansa, que pede colo e chão bom pra descansar, que sente o cheiro de algumas pessoas e nos faz pensar nelas e escrever poemas antes de dormir. Esse belíssimo punhado de carne, ossos, tripas e essa massa cinzenta do tamanho de - dizem - dois punhos cerrados, o maior dos mistérios, o que dá mais medo, no qual cabe tudo, qualquer coisa; que muda o mundo se quiser, não o mundo de verdade, mas o mundo nosso, pessoal e intransferível, e que tanto muda que me esquenta verdadeiramente o coração quando mamãe me diz "vá com deus", ou quando choro sobre os meus mortos, que estão mortos e suas carnes já não podem mais ouvir o adeus que eu lhes dou mesmo assim. O luto, a oração, a tomada violenta de oxigênio, as figuras coloridas que saltitam no escuro das pálpebras recém-fechadas. O mistério de amar o mar na primeira e escura hora do dia, de ver a Terra de uma espaçonave. 13/1/2017

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