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terça-feira, 9 de junho de 2015

Das cartas que nunca serão entregues

Oi. Sinto que te devo respostas. Não devo por uma relação moral das mulheres com o mundo que nos cerca e comprime – se fosse por isso, não deveria meia palavra – mas pela relação minha contigo, desse nadinha que construímos. Estou angustiada por não termos trocado dez minutos de conversa, e nem acho que isso seria difícil... tem a ver comigo, sou fechada e me sinto perdida. Aí não conversamos, só trocamos meia dúzia de frases. Eu mentiria se dissesse que essas poucas frases eram pouco férteis, porque não eram: eu que não sei regar... perco o timing e a coisa nunca desabrocha. Digo isso porque você me interessa. Mas, querido, que desencontrado foi o nosso tempo. Eu havia sido abandonada há três meses, minha vida virou uma grande desordem. Te encontrei sem querer numa mesa de bar, mas te encontrei, encontrei mesmo, porque fui consciente, fui até você, e no fundo você me interessa.

Acho que boas coisas aconteceriam de nós. Acho isso com sinceridade. E veja, quando digo boas, não digo grandes: digo boas. Ou... talvez eu só veja potência naquilo que sei que não pode acontecer. Se pudesse, eu acho que não veria futuro algum, porque sou do tipo que aciona o tempo todo a auto-sabotagem, pra no fim caminhar assim: sozinha...

Me resolvi com meu trauma há exatos oito dias. Na verdade, eu me resolvi, mas não sei se ele se resolveu comigo. Antes disso, eu estava tentando me dar uma chance de reordenar minha vida, dura de intranqüila. Te encontrei no meio do caminho. Acho que nunca encontrei de verdade, porque você estava com muito sono naquele dia. Mas poderia e até queria ter encontrado.

Você me interessa. Quando as pessoas falam em “interesse”, a coisa em geral soa mesquinha, mas não é desse interesse que estou falando: é do interesse que faz apertar os olhos pra saber o que mais existe por trás. Você me interessa. Mas tenho um trauma na vida. Tenho também um mundo dessas todas possibilidades, você incluso, que nem sonho em ser trauma ainda, mas opto por ficar com o que é seguro, que é na verdade muito e completamente inseguro, disso que tenho comigo, que voltou para minha vida há oito dias, e que amo, e quero, e sou. Conto os dias assim nos dedos para te provar de algum jeito como esse nosso tempo dói de tão desencontrado.

Eu não escrevo para casos como o nosso. Nunca escrevi. Que me fez parar para despejar esses parágrafos? O que sinto é algo diferente, portanto? Por que para você devo respostas, e para outros nunca devi? Não sei, não sei, não sei. Escrevo isso pelas coisas boas que aconteceriam de nós. Não digo grandes, longas, de gravar história e de se erguer estátuas no topo das montanhas, mas digo boas, talvez só de lembrar e rir e sorrir. Arrisco que já temos algumas.

Isso é mais uma das cartas que jamais serão entregues. Jamais é muito tempo: talvez jamais mesmo, mas também talvez vai-que. Não entrego porque na minha cabeça, na cabeça das mulheres – e não por nossa culpa –, a coisa é sempre maior do que é, ou pra vocês que sempre é menor do que é. Você riria com seus amigos. Por isso, apesar de ter essa dívida, não vou quitá-la, e não peço desculpas porque seriam mentirosas. Se fosse entregar, não escreveria isso tudo, seria falsamente despretensioso e dissimulado e apequenado, só é assim bonito porque não vai chegar às suas mãos – e por isso sim peço desculpas, a você por minha mesquinhez e a mim por todas as chances que não me dou.

Escrevo isso porque o mundo é mau e as boas coisas merecem tempo e carinho.