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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Poema azul ou Eu o desautorizo a acinzentar minhas memórias

Lembrava dos nossos dias
com a leveza da boa saudade.
Do gosto e da sorte.
Como quando pousa no parapeito
voa e some o pardalzinho
tão rápido
que, quando se vê
já foi, sorri sozinha
pra janela aberta junto à rua
e um rapaz até achou que era amor. Era leve assim.


veio o tempo
a poeira
a serena ventania

nosso retrato
um bando de traças clandestinas
fizeram um par de furos nos olhos

meus olhos te veem com umas lentes outras
sua língua quente que me lambia as costas
minha pele lembra com outros poros

meus lençóis acordam molhados
meu suor se mistura com nosso velho suor seco.
Que é essa avalanche de sonho azul que me sacode o sono?

Olhar-te e ver-te outro
é porque me ponho num espelho e só vejo uma inquieta criatura
de franzido cenho
tentando entender desconfiada por que eu não a reconheço

porque o tempo age sobre o amor como o fogo nas substâncias químicas -
nossa composição é toda outra

Carta aos ocupantes

aos estudantes da ECA que, comigo, ocuparam o prédio da diretoria da escola por mais de 50 dias


Vida longa aos que não querem a letra morta
o gabinete empoeirado
o papel passado de burocratas infelizes

Vida longa aos que não se espantaram com as madrugadas
com as dentadas dos cães homens de guarda
com o gás ardido que azedou nossa breja
com os emails mentirosos de burocratas infelizes

Vida longa aos que sabem cantar a luta!
Nossa melodia é a morte
dos ricos,
poderosos,
enjoados,
capachos dos burgueses,
os burocratas infelizes

Na plenitude das batalhas
nossas bocas têm mais dentes
pra estraçalhar (o inimigo)
pra sorrir (ao camarada).
Velhos e banguelas são os burocratas infelizes

Vida longa, portanto, aos alegres.
A esses dedico uma canção,
uma pizza,
uma brisa,
um cigarro
e meu punho:
cerrado!

Poema

Comecei um ontem.
Mas era triste
de um tempo cinza

me distraí
pousou no parapeito
um chamado alegre a mudar de tema

deixei aquele inacabado para começar este
deixei aquele pros dias azuis
não pros amarelos
não pro riso fácil
não pro canto morno
não pra leve chama ardida
que me esquentou o céu da boca

É assim:
chamados,
passarinhos,
cigarros oferecidos (assim,
de graça)
ou a gente aceita

ou passa