Outro
dia fui procurar a tal da beleza nas pequenas coisas, de que as pessoas tanto
falam, e não achei nada.
Comecei
comprando uma caixa de bombons sortidos. Dizem que caixas de bombons são como a
vida, uma surpresa constante, porque dentro dela não se sabe o que vai
encontrar. É o que dizem, e a voz do povo é a voz de Deus. Mas eu sabia o que
havia dentro das caixas de bombons: eu tinha a irremediável, absoluta e
arrogante certeza de que abriria a caixa e encontraria bombons. Desculpe. Vou abrir
essa caixa e vou encontrar bombons. Existe uma frase famosa que diz que as
pessoas muito convictas são tolas, e sabidas são as que têm dúvidas. Que
terror! Relutei um pouco: talvez haja... pirulitos? Eu acho que vai haver pirulitos
nessa caixa de bombons (mas eu não achava de verdade). Deve ser por isso que eu
não tive surpresa alguma, e portanto não vi beleza alguma, na caixa de bombons,
porque eu tinha a irremediável, absoluta e arrogante certeza de que dentro dela
haveria bombons, e só, e é o que havia. Droga. Ouvi uma história uma vez sobre
uma moça que comprou uma caixa de bombons e dentro da caixa veio uma aranha. O
espanto não é sempre bom, mas eu imagino que seja belo (também é o que dizem).
Uma aranha numa caixa de bombons: é algo que seria belo, e espantoso. Queria ser
essa moça. Depois que soube dessa história, toda vez que abro uma caixa de
bombons rezo para ver uma grande e peluda caranguejeira. Ultimamente tenho
aberto as caixas de bombom com certa distância, por precaução, pois pode ser
uma espécie venenosa. Penso se será hoje e nessa caixa que ela aparecerá,
aranhando e soltando teias, e se eu terei essa grandíssima e bela surpresa. (De
tanto esperar por isso, imagino que, quando isso acontecer, não será uma
surpresa e não vai haver beleza, e assim eu arruinei meus planos e chances. Ou será
que ver materializada essa imagem idealizada por tanto tempo, a cada caixa de
bombom, será como encontrar um grande tesouro, o Santo Graal, uma espantosa,
bela e pequena aranha, a cura da minha miopia?)
Experimentei
dividir coisas. Dizem que o momento de dividir coisas com alguém é um momento
pequeno e belo da vida. Experimentei dividir um pão doce com um colega do
escritório. Terminei o dia com mais fome, e só.
Fotos
antigas, sempre falam da beleza das fotos antigas. Vi fotos antigas dos meus
pais e minhas irmãs, ou dos meus primos brincando na lama do quintal. Minha avó
num almoço de anos atrás. Os amiguinhos da escola. Casamentos. Um monte de
gente morta. Esse morreu, essa morreu, esses aqui também. E esse. Todos da foto
tinham olhos vermelhos. Eu senti uma saudade maldita, desgraçada. Eram os olhos
vermelhos. Eles disparavam raios lasers. Espalhei algumas fotos numa mesa e os
raios lasers cruzavam toda a minha cozinha e era impossível andar até o armário
para pegar algumas bolachas sem ser fuzilada por eles, atravessada por um
sentimento muito ruim e triste. Experimentei rastejar, ir pelo chão e por
debaixo da mesa para não ser atingida pelos raios, mas descobri que eles também
saíam pelo verso das fotos, e atravessavam objetos. Minha cozinha inteira
entrecortada por raios vermelhos de saudade maldita e desgraçada, dos quais era
impossível desviar, como nos filmes de ação. Foi feio, e só.
Minha
última tentativa:
tudo
mudou no dia em que resolvi ver um nascer-do-sol. Sempre – sempre – me disseram
que assistir ao nascer-do-sol, isso sim é aproveitar a beleza das pequenas
coisas da vida. (O nascer-do-sol é bastante grande, se querem saber minha
opinião, mas sou uma mera míope da beleza das coisas, grandes e pequenas,
portanto minhas considerações a esse respeito não devem ser levadas em conta.)
Coloquei meu relógio para despertar às cinco horas da manhã, num domingo, que é
inclusive o dia predileto das pessoas, e vi o nascer-do-sol. Eu assisti ao
nascer-do-sol num domingo – e o que vi
foi o sol nascer, e só. Esperei mais um tempo. Será possível? Ele nasceu,
cresceu até às nove da manhã, grande, pleno e amarelo. Era uma bola grande,
plena e amarela - e só. Não era possível. Todas as pessoas do mundo estão
erradas? Senti o famoso nada. O grande nada. Ó, nada. Se o nada existisse,
seria uma pedra grande, como as que ficam na costa, imponentes mesmo que
golpeadas dia e noite pelas ondas violentas do mar. Não sentir nada em relação
à coisa mais bela do mundo, como as pessoas dizem, me deixava um pouco triste,
e essa pouca, pequenina e triste tristeza, me consolava até. Tentei ver beleza
nessa tristeza, tristezinha, e também não vi. Encarei o sol por muito tempo.
Isso não é nada bom para a vista, dizem. Tudo bem perder a visão, eu já não
enxergava boa parte do mundo mesmo. O
sol - grande, pleno, amarelo. Pensei que poderia visitar um oculista. Sempre
quis fazer o ditado das letras do oculista. Sentar numa cadeira e dizer as
letras no quadro, como aprender o alfabeto na escola. “Bê. Ê. Éle. Ê de novo.
Hm... acho que Zê. E a última... a última é... (nesse momento eu aperto os
olhos, inclino a coluna para frente, me aproximo do quadro das letras, quase
caio da cadeira, mas não) não consigo.” Sou uma míope. Quando o sol chegou ao
meio dia, a pino, foi o momento de parar de olhá-lo; não pela força do sol, mas
porque eu já estava com torcicolo. E então, depois de horas olhando para o sol,
depois de destruir o que restava da minha visão, já cega, eu vi. Ao tirar os
olhos do sol e olhar para o meu quarto, havia uma grande, plena e colorida bola
piscando nas paredes, no teto e nas coisas. Os olhos guardam as imagens por um
tempo, as pessoas dizem. Eu piscava forte e a bola se desenhava precisa. E, por
todo esse tempo, alguns minutos, não me lembro, trouxe o sol para dentro da
minha casa, colorido, passeando pelos cantos, arisco, rápido, despudorado, como
uma aranha. Acabei com minha visão curando minha miopia. Quis chorar, até.
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