E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe
aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta
vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais
uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada
dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é
inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder
novamente, tudo na mesma seqüência e ordem – e assim também essa aranha
e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A
perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com
ela, partícula de poeira!”.
– Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio
que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe
responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse
pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e
o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso
mais uma vez e por incontáveis vezes?", pesaria sobre os seus atos como o
maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e
com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela? - Nietzsche
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Uma única e mesquinha vez a cada repetida vida, como fiz
hoje, eu vou reencontrar numa gaveta essa carta antiga de anos atrás, e, depois
de lê-la, tão rápido e tão ansiosa para alcançar o final (a parte mais bonita,
sobre a saudade), eu vou me deitar na cama com as mãos no peito e vou chorar
como as mães nos batismos, perguntando às paredes como é que uns rabiscos
velhos, a lápis, podiam ser tão epifânicos e tão espantosos, e forjar uma
beleza gigante como as árvores centenárias num quarto que é só do tamanho do
meu - tão pequeno.
Foi um espanto, de abrir as
janelas e gritar aos vizinhos: “VOCÊS ESTÃO VENDO O QUE ACABA DE ACONTECER NO
MEU QUARTO?”. As luzes das casas se acenderam e as famílias saíram à rua curiosas
esperando, quem sabe, um incêndio ou algo mais impressionante – e viram só o
meu espanto. E eu, que poderia fazer? Gaguejei uma frase ou outra, me expliquei
como pude, e eles voltaram a dormir. Mas é justo que essa manifestação da vida,
um demônio tentando uma mortal, esse evento que me fará assinar o contrato da
eterna repetição da minha história, é justo que só tenha uma testemunha e que
ela seja eu?
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