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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Babacas

Por que as pessoas não conversam? É a enésima vez que me pergunto isso e poderia estar questionando em voz alta para pelo menos uminha das sete – agora oito – pessoas – nove – que estão comigo nessa sala de cinema silenciosa, quase nada iluminada e perfeita para um papo. Esperamos Melancolia começar.
É curioso como essa novidade de cadeiras numeradas dá uma disposição estranha aos espectadores: pois, veja bem, duplas e trios de desconhecidos são forçados, pelo mero acaso da escolha quase às escuras dos assentos, a se sentar lado a lado; e nem a força mágica da batalha naval das poltronas de cinema nos faz conversar (uma jovem acaba de se sentar na F2, ao lado do moçoilo da F3, que muito bem poderia ser H4 ou H6. Eu havia atirado na H5: água! Aproveita então, moça, e conversa!).
Por que as pessoas não conversam? É um mistério deveras. Ninguém tem o que fazer enquanto o filme não começa e, entre nós, não há distância maior que algumas poltronas. Falamos a mesma língua, moramos na mesma cidade, provavelmente há um gosto parecido para cinema; logo, podemos discorrer horas a fio sobre novos acordos ortográficos, normas gramaticais, menas e seje; o metrô, os carros, a crackolândia, as fábricas, a poluição, cof cof cof, e os impostos; Fellini, Trouffaut, Almodóvar, Woody Allen e Pânico 4; ah, quanta coisa!, podemos viajar desde o mundo da música clássica até sabores de geleia, e depois voltar aos acordos ortográficos, porque era “geléia” e, quando leio agora, eu penso em “gelêia”, você não?, pois eu sim. Podemos falar também sobre cuecas de algodão, se preferir, ou touradas espanholas ou quem sabe o dólar e a Bovespa, eu não entendo muito disso, não, viu, mas juro que faço um esforcinho. Só não falo de religião, porque eu falo do meu pacto com o vermelhinho e as pessoas perguntam o que os comunistas têm a ver com isso.
Por que continuamos calados?
Minha língua está coçando, doida para uma conversa metalinguística: que tal uma conversa sobre a conversa? Sobre a ausência de conversa, melhor dizendo.
- Por que as pessoas não conversam? – perguntei-lhes, no meu ensaio mental.
Mas há um obstáculo, aquela barreira imaginária, que, somada à coceira na língua, resulta no tamborilar de pés e mãos e numa inquietação incômoda em que vão para nossa balança moral, de um lado, o medo de te acharem maluca e inconveniente e, do outro, a busca do que é que haveria de tão mal num simples bláblá sobre bláblá. E, claro, dezenas e dezenas de ensaios mentais, de formulações de respostas hipotéticas de seu interlocutor, de devos ou nãodevos, ufa!, que, no fundo, usamos só para adiar a tomada de decisão:
- Por que as pessoas não conversam?
E isso lá precisa de ensaio?!
Essa profundíssima questão filosófica se torna profundissíssima quando começamos a pensar nas possibilidades: conversar ou não conversar, a leveza ou o peso! Dois caminhos antagônicos e exclusivos que seguem a lógica de toda escolha: escolhendo uma possibilidade, aniquilam-se imediatamente todas as outras. Isso me assusta, a você não?, pois a mim sim. Coisa sartreana. Não se sabe qual é a melhor delas, façam suas apostas! Saberíamos se pudéssemos viver a vida de novo infinitas vezes, só para podermos escolher as possibilidades aniquiladas, retornando eternamente. Coisa nietzscheana. Profundissississímo!
Meus ensaios continuaram e o filme começou, terminou e eles não passaram de ensaios, principalmente porque Melancolia é tão tarja preta que a gente sai do cinema corcunda, cogitando tragédias e morrendo de letargia; quem quer conversar grogue? Você sim?, pois eu não. Talvez sim se o assunto for amor, sobre o qual tenho muitos minutos para falar, mesmo que já tivesse tido horas. Ou nomes de cores de esmalte, que é um assunto que não aparece todo o dia. Ou se alguém me fizer a pergunta que não quer calar, para eu responder que as pessoas não o fazem porque são babacas. Inclusive eu.

2 comentários:

  1. Legal seria se todo mundo falasse o que viesse a mente a qualquer hora, sem medos nem falsos moralismos... Por isso me deixa tão contente desconhecidos que vêm conversar no metrô ou no ponto de ônibus, mesmo se forem velhinhos reclamando de problemas na coluna haha.
    Gosto muito da maneira como você escreve Giugiu *-* Beijos, Lulu.

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  2. Sim, seria muito legal! Eu fiz isso tão poucas vezes, e fizeram tão poucas vezes comigo... Conversar é muito bom.
    (brigada, lulu, coisa linda *-*)

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