Páginas

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Eu, amor e eu

- Estou para histórias de amor.
- Ah, não me diga... que surpresa.
- Poxa, cara, você não aceita meu romantismo mesmo. Você e suas ironias...
- Ok, desculpe. Comece de novo.
- O quê?
- O nosso diálogo.
- Não.
- Vai logo!
- Hm, tudo bem... estou para histórias de amor.
- Ah, não me diga... Ei, calma, volta aqui!, estou brincando. Aceito seu romantismo, até porque tenho meu romantismo também.
- Você? Romantismo? Por favor, né.
- Claro que sim. Não é porque eu transformei o amor em ciência que...
- Ah, deixa suas teorias científico-amorosas um pouco pra lá. Quer saber a história de amor da vez ou não?
- Ok, ok...

"Ele e Ela eram melhores amigos. Ela era linda, inteligente, interessante e popular. Ele, bobo, infantil e odiado por todo o corpo docente do colégio."

- Ei, pode parar.
- Oi?
- Issó aí é história que toda menina de treze anos já criou na cabeça. Falta você falar que a garota se chama Hilary ou Lindsay.
- Ah... mas ainda pode ser uma história de amor. Toda história é uma história de amor.
- Ok, princesa Amnéris. Mas, a não ser que essa história de melhores amigos tenha algo bem inovador, ela acontece o tempo todo.
- Mas é amor do mesmo jeito!
- Claro que é, nunca disse que não era. Só quero que me conte uma história cujo final eu já não saiba... melhora isso aí!
- Agora você já me fez perder o fio da meada...
- Então, hm... vou te ajudar.

"Ele e Ela eram melhores amigos. Ela era bonita, divertida, polida e afável. Ele, feio, rústico, rude, de mal com a vida. Só ela o compreendia, o resto do mundo o queria bem longe. O irmão dela tinha ciúmes da relação deles, o que fez com que Ele o odiasse, e vice-versa."

- Ei, ei. Vai falar que eles moravam n'O Morro dos Ventos Uivantes também?
- Qual é, eu tava tentando ajudar. É mais interessante que melhores amigos num colégio.
- Mas o amor acaba sendo o mesmo nas duas situações; aliás, em qualquer situação.
- Já disse que só quero uma história mais interessante. E, sim, estou de acordo com o que disse. Amor: a mesma reação química, incomodando desde os primórdios...
- Lá vem você com sua ciência...
- Vai me dizer que amor não é reação química?!
- Vou dizer isso sim. Reação química pode até ser consequência do amor, mas ele em si é algo muito além de nossa vã compreensão, é uma força superior!
- Lá vem você com sua espiritualidade...
- Cara, não tem nada a ver com a minha espiritualidade. Já amou alguém?
- Já.
- Pois eu também. E digo que sinto algo ao meu redor quando amo. Algo externo me abraçando, nos abraçando. É demais! É como se houvesse uma terceira pessoa com a gente...
- Olha, vou te dizer que essa suruba aí é imaginação sua.
- Não é! Eu não entendo... como alguém que diz que já amou não sentiu isso?
- O que você está nomeando de força superior externa é algo que aconteceu dentro de você. Seu cérebro te fez sentir aquilo. Olha, eu não discordo que a sensação é sublime. É sim, e digo até que é a coisa mais sublime que eu já vivi. Mas é pura reação química. Amor é o nome do processo em que seu cérebro é estimulado por coisas boas, coisas que te agradam e fazem bem, e ele libera um monte de não-sei-o-quê na sua corrente sanguínea... e te dá esse barato aí.
- Argh, essa sua teoria tira toda a beleza do amor.
- Claro que não!
- Enfim, enfim! Vamos continuar nossa história. Minha vez, agora.

"Ele e Ela eram vizinhos, aqueles que só dizem bom-dia-boa-tarde. Ele era um cozinheiro independente, feliz com o que fazia e plenamente satisfeito com a própria vida rotineira; existia. Ela, uma cantora, uma artista!, curiosa, sedenta por conhecimento, pensante e, consequentemente, insatisfeita; queria sempre mais."

- Ei, agora tá melhorando. Posso continuar?
- Pode.

"Ela entrou no restaurante. Leu o cardápio, sem surpresa ou interesse. O garçom a aborda e Ela diz que quer uma surpresa. Ele não entende. Ela repete que quer ser supreendida. Ele diz que as surpresas não são com ele, que ele só traz as surpresas às mesas. Ela pede que mande tal pedido para o cozinheiro, e o cozinheiro que se vire! 'Não garanto nada, senhorita', ele diz. 'Ninguém garante.'"

- ...
- Continue!
- Só depois que você me der bons argumentos para dizer que minha teoria tira a beleza do amor.
- Ah, esquece isso e continua, vai.
- Não. Você me intrigou.
- Tá, tá... é meio óbvio, né? Você tá transformando o amor em ciência, em química!
- Mas tudo é química! VOCÊ é química. É composto de matéria orgânica que, no final, vai virar adubo.
- Ok, Tyler Durden. Não acho que sejamos apenas química. Não é possível que não haja uma alma dentro de nós, não tendo tudo isso que temos na nossa cabeça. Nosso pensamento é algo abrangente demais pra ser apenas químico, sem contar tudo o que somos capazes de sentir.
- Ai, ai... não entendo por que os seres humanos se sentem tãããão especiais só porque podem pensar, questionar. Quem falou que isso é vantagem? É só uma característica, tudo culpa da aleatoriedade evolutiva!
- Meu santo Deus, vai apelar pra Darwin?!
- Meu santo Darwin, vai apelar pra Deus?!
- Argh!
- É sério! Só pensamos (no sentido de questionar, ok?) porque nosso cérebro é capaz, tem uma configuração que o permite, e, sei lá, o dos pombos não. Assim como os tamanduás têm línguas grandes, e nós não. São só características diferentes, adquiridas com a evolução.
- Blá, blá, blá.
- Ih. Criacionista?
- Também não, né? Eu acredito na evolução, mas... poxa, pensar não é algo comparável a ter uma língua gigante. Por que nós pensamos?!
- Sei lá eu! O mundo é aleatório e sem sentido, ninguém nunca vai saber por que pensamos!
- Temos alma!
- Somos matéria orgânica!
- ARGH!
-...
-...
- Ok, ok, vamos manter a saúde da discussão. Você fica com sua alma e sua espiritualidade, e eu fico com o meu ateísmo e naturalismo. Voltemos à minha teoria.
- Não. Voltemos à história de amor.
- Nossa, é mesmo... já tinha esquecido. Continue você.
- Tá bem.

"Ele recebeu o pedido, mas não soube o que fazer; afinal, que louco pediria isso? Tão acostumado à sua rotina e sua mera existência, uma coisa daquelas lhe causou certo êxtase, ansiedade e um certo desespero. 'Quem pediu isso?', Ele pergunta ao garçom. 'Uma senhorita da mesa 17.' Ele foi conhecê-la, ver se tinha algum tipo de inspiração, uma luz mostrando um novo prato. Quando a vê na mesa, seu coração bate mais forte e..."

- Cansei dessa história.
- Eu também.
- Já prevejo o final dela: ela é uma doida que mostra um mundo novo pra ele e tal, tal, tal, ele se apaixona e etecétera, etecétera, etecétera.
- Vou tentar outra.

“Ele e Ela eram meros conhecidos, mas sempre se gostaram; aqueles segredos que a gente esconde até de nós mesmos. Tinham dez anos e estavam na quarta série.”

- Pô. Quarta série?
- Ah, cara. Tou tentando variar os temas e situações...
- Dez anos!
- E não existe amor aos dez anos?!
- Pode até existir... mas acho difícil.
- Pois eu acho que pode haver sim.
- Mas não vai sair muita coisa dessa história: paixonite de dez anos só desvira segredo quando ela já sumiu.
- Nossa, pior que é verdade. Bem, minha criatividade está um tanto morta... voltemos à sua teoria, então.
- Isso. Quero te convencer de que ela não tira a beleza do amor. Não é porque é química que perde a magia; passa a ser parte da natureza. Essa teoria o torna muito mais humano, porque, sendo um processo que produz no nosso cérebro essa sensação sublime, é algo realizado por nós! Nós produzimos amor! Não precisamos externar algo tão bonito só porque não é compreendido.
- Amor é um treco muito perfeito para ser produzido por seres tão falhos como os homens.
- Defina perfeito.
- Ah... é a solução pros problemas do mundo.
- Solução pros problemas do mundo é o respeito e uso da razão.
- Mundo melhor é feito com respeito; mundo perfeito é feito com amor.
- Bem... pensando assim... verdade, amor deve ser posto nessa lista. Enfim, o amor é meio cruel. É troca de interesses.
- Ah, nem venha com essa!
- É sim. Você não é capaz de amar alguém que não te faz bem. Você ama sua mãe porque ela te alimenta. Você ama um amigo porque ele te compreende, te acolhe, te faz rir, não sei. Você chora no enterro de alguém de que gosta porque ele fará falta pra você, porque VOCÊ vai sentir falta, VOCÊ sofrerá com isso, e não porque a pessoa morreu mesmo.
- Claaaaaro. Por isso que uma garota, quando um cara faz algum mal pra ela, continua o amando, né? Por isso que uma mãe continua amando o filho mesmo depois dele fazer um montão de cagadas...
- Bem... mas isso deve ser porque... não pensei nisso ainda. Mas viu só como o amor é falho, assim como os homens? Cheio de incoerências!
- É. Isso é verdade. Mas nhé, nhé, nhé. Definir amor você até conseguiu, mas entender como ele funciona... ninguém sabe por que ama, nem o que ama.
- No fim das contas, acho que não é possível entender como o amor funciona. E, se for possível, acho que nem vale a pena pensar nisso...
- Amar é a eterna inocência, e a única inocência é não pensar.
- Ok, Alberto Caeiro.
- Eu? Você que é todo "ai o mundo não tem sentido!"...
- Ora! Agora vai me dizer que tem?!
- Ah, deve ter...
- Tem nada. Quero dizer, algumas coisas podem até ter, mas, se não têm, não é o apocalipse.
- Tudo tem sentido. Se não tem, um dia vai ter. Seja através da ciência ou da espiritualidade.
- Discordo. O homem busca tanto o sentido das coisas! Não suporta não ver lógica em algo que já fica doido! Deixe as coisas não terem sentido em paz, oras bolas. É nessa que encontram respostas tipo Deus, Chico Xavier... alma...
- Teoria das supercordas...
- Claro. Cientistas também são homens que querem que as coisas façam sentido.
- É chato ser ser humano, né? Somos meio doentes.
- Também acho um saco, mas confesso que às vezes até gosto, e que alguns da minha raça valem o sacrifício.
- O mais triste de ser homem é a nossa incapacidade de amar quem nos faz mal. Queria amar gente ruim também, mas não consigo.
- O que sente por gente ruim?
- Sei lá. Sinto nada. Tô nem aí pra elas.
- Bem, se isso serve de consolo, você só pode amar quem te faz bem, mas também não odeia mortalmente quem te faz mal.
- É... talvez. E a história?
- Que história?
- A história de amor, poxa.
- Oh é mesmo! Eu tenho uma boa história!
- Ok, então, sua vez.

"Ele era ele, Ela era ela. Ele e Ela não se conheciam. Veio a Vida, aleatória como ela só, e montou a história deles, de um jeito bem melhor que essas nossas tentativas. Talvez eles se conhecessem com o desenrolar dela, talvez não. Fim."

- Me parece muito bom. Tirando esse papo de aleatório...
- E como é que vai acontecer, então?
- Destino? Intervenção divina?
- Ih, lá vem...
- E quem é que vai saber? Eu é que não sei. Bom. Eu me declaro Incapaz de Criar uma Boa História de Amor.
- Eu também.
- Enfim, está ficando tarde e eu preciso ir pra casa.
- Eu ficarei mais um pouco. Nos vemos de novo, acredito.
- Quando?
- Não sei. Quando for necessário; ou mesmo quando não for.
- Claro. Até a próxima discussão!
- Será uma prazer. Até mais!


1, 2, 3, 1000 bjs àqueles que discutem amor.

5 comentários:

  1. olha, nossa conversa de hoje *-* Ficou muito bom Giu <3

    ResponderExcluir
  2. Isso merece ir pro teatro. SÉRIO.

    ResponderExcluir
  3. Muito bom!!!... E concordo com a Amanda *--*
    Se estiver a discutir o amor um dia desses... (: Sou um poço de problemas com isso...rs

    ResponderExcluir
  4. Giu, que texto!!!!!!!
    " Olha, eu não discordo que a sensação é sublime. É sim, e digo até que é a coisa mais sublime que eu já vivi. Mas é pura reação química." HAHAHA! Isso é tão Letícia Benetti! HAHA! Odeio a química, Giubs! E tô feliz que você tenha gostado do A. Caeiro, ele foi essencial pra mim em 2007! bjoss Giulinha!

    ResponderExcluir