JANELAS, por Helena Zelic
JOAO
UM HOMEM NORMAL
UM HOMEM NORMAL
LIA
JORNAL
MAS SO AS MANCHETES
JOAO
JOGOU
TUDO PRO ALTO
NUM
SALTO SAIU
DE
SEU MUNDO ABSTRATO
E
TUDO
VIROU
POESIA
CONCRETA.
CONCRETA.
Completei
meus dezoito anos no último dia dezesseis. É curiosa a promessa que acompanha a
maioridade, neste universo em que vigoram os mitos constitucionais, de que o é
aos dezoito, apenas, que a janela para o mundo termina de se abrir para que o
explore aquele que tiver a coragem; e que aos dezoito, apenas, é-se dono
finalmente exclusivo de si para buscar seja lá o que for. (Lamentemos com
sinceridade por aqueles que creem em lendas tais: para que o mundo estivesse
aberto e para que se fosse dono de si, bastou-se nascer; o mundo está aí e
promete continuar aí por tempos e tempos.)
Sem
surpresas, fazer dezoito anos não mudou nada, exceto uma bobice ou outra que
agora eu posso fazer sem recorrer a pequenos trâmites da ilegalidade. Ganhei um
precioso presente (em termos físicos e concretos, porque a noite foi tão linda
que eu a considero como um) e eu não esperava ou queria nada relacionado ao meu
novo status de adulta, como garrafas de vodca, carros, vales-motel, entre
outras coisas que, neste mesmo universo em que vigoram outros muitos mitos, dão
a ilusão de que a vida só começa com elas. Passei uma noite fria e junina com
fogueira, pinhão e gente querida, a partir de quem o mundo tem se revelado com
mais verdade.
(Esses
parágrafos prévios não são apenas uma impressão sobre a maioridade que registro
aos adultos próximos que os lerão talvez; são pequena introdução para um fato
curioso, com um tiquinho de lirismo lá no fundo, para os que acreditam nessas
coisas.)
Voltou
da bonita noite, dentro da mochila, um livrinho todo feito (escrito,
diagramado, desenhado, recortado, dobrado, amarrado e entregue) com o esmero e
afinco próprios da querida tão querida Helena; lacrado com nó de barbante, tem a
capa com – que os deuses do design perdoem as próximas palavras – umas bolas
coloridas, laranjas, amarelas, roxinhas e rosas, sobrepostas, com umas tiras
cinzas cruzando-as horizontalmente, me lembra um pouco uma zebra; tudo tem uma
marca d’água de ramos de flores e o título do livro vem numa bola branca jogada
para a direita: se mínimo.
Sentei
com minha mãe å mesa de café da manhã de domingo tomado ao meio dia e exibi meu
presente, com a honra de quem possui o exemplar da primeira tiragem artesanal
do que um dia será impresso aos milhões para que não falte poesia para ninguém.
Lemos inteiro, passando as folhinhas uma a uma, ora sem dizer nada, ora com um
comentário risonho ou admirado, ora separando os preferidos para poder reler
depois com mais cuidado. Na semana seguinte, minha mãe apareceu com um
pedacinho de papel usado para rabiscos de conversas telefônicas, em cujo verso escreveu
quatro linhas humildes que me mostrou feliz, dizendo tê-las criado devido a uma
onda de inspiração vinda dos escritos da Helena, o que configurou prova genuína
e inconteste das capacidades salvadoras da literatura.
Antes de conhecê-la e de sermos amigas – adoro me lembrar disso –, lia seus poemas e me admirava ver que tão jovem criatura já tivesse pinceladas de escrita própria em suas aventuras literárias. O tempo que passei nos Tempos de Morangos me deu a sensação de que conhecia previamente uma pontinha de Helena; hoje vejo que uma tarde com ela e o não-sei-o-quê que um de seus poemas causa são tão parecidos que não se pode mesmo dissociar a arte do artista. Pensei rapidamente que neste texto faltaria falar um pouco mais de sua pessoa, mas divagar sobre suas borbolet(r)as já o faz.
Antes de conhecê-la e de sermos amigas – adoro me lembrar disso –, lia seus poemas e me admirava ver que tão jovem criatura já tivesse pinceladas de escrita própria em suas aventuras literárias. O tempo que passei nos Tempos de Morangos me deu a sensação de que conhecia previamente uma pontinha de Helena; hoje vejo que uma tarde com ela e o não-sei-o-quê que um de seus poemas causa são tão parecidos que não se pode mesmo dissociar a arte do artista. Pensei rapidamente que neste texto faltaria falar um pouco mais de sua pessoa, mas divagar sobre suas borbolet(r)as já o faz.
se mínimo fala de janelas, janelas
muitas, e fala do mundo e fala de versos. E daí me lembro dos meus recentes dezoito
anos: nenhuma lei federal que me considera adulta abriu ou descobriu o resto do
mundo para mim. Levei, contudo, na minha mochila, uma janela em forma de versos
a partir dos quais poderia ver um mundo de novos parapeitos, da maneira com que
prometiam as expectativas sobre maioridade nas quais nunca cri. Recebi um
impulso novo para transformar (verbo intransitivo) em poesia concreta. Achei
curiosa a coincidência, e feliz.
Ontem
Helena me disse que chorou pelos tempos de seca poética pelos quais passava e
pelo medo de um futuro medíocre. Não sou capaz de livrá-la desse medo; gostaria
de saber como para livrar-me também. Mas borboletas amarelas são perseguidoras
incessantes; se ontem mesmo saudamos Gabito por seus escritos destemidos sobre
amores contrariados e estirpes condenadas, no futuro saudarão Helena e seu
gosto por aliterações, janelas, versos, vírgulas, os infindos quê-mais que as
procedem e seu gosto pelo mundo, sobretudo, amado no gerúndio. Eu já a saúdo.
Elejo
meu preferido (daqueles que arrebatam sem muitos porquês):
EM
BOCA FECHADA
NAO
ENTRA
em
todo seu céu da boca
tinha
três milhões de estrelas
você
fria se calava
só
pra eu não poder vê-las.
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(A quem se interessar!)